escuta, eu tive medo. sim, medo.
eu sentia demais e tudo na adolescência tende ao
caos. ou seria em toda a vida?
pois bem, minha terapeuta disse que construí uma
muralha ao meu redor e que eu não me permito sentir...
ela tem razão. óbvio.
eu escondia... certo, ainda escondo, os meus mais
profundos desejos. e olha, não tem nada de extraordinário neles. eu sou apenas
uma pessoa confusa, que precisa de uma garrafa de vinho pra abrir uma janelinha
nessa tal muralha.
tá, nem é tanto assim. só é mais fácil quando
podemos nos abrir sem julgamentos, não? nossos ou dos outros...
decidi então, inspirada em um certo filme adolescente,
a escrever algumas cartas, a desabafar, a ser profundamente honesta comigo e
com todos vocês.
//
quando te conheci eu tinha 18 anos, lembro que pra
puxar assinto perguntei se aquele cigarro era seu. você me contou depois que
tudo que pensou foi "droga, ela vai me dar um sermão! eu até tinha gostado
dela", mas eu só queria pedir um pra mim também.
eu ainda me lembro da primeira vez que te vi. me
lembro também da última. o que eu faria se soubesse antes, de tudo o que
aconteceu? o que você faria, se conhecesse a minha verdade?
nosso primeiro encontro foi legal. você me levou
pra tomar um café na havan. sério, aquilo é um tipo de supermercado! e eu
gostei... depois fomos pra uma praça e ficamos algumas horas conversando.
e não, eu não deveria ter te beijado. você sequer
deveria ter perguntado. você traiu a sua namorada comigo. isso já era um sinal
bem grande de que alguma merda viria pela frente, não?
e hoje quando lembro disso fico muito indignada. eu
era tão... imatura, sem amor próprio, que sequer pensei no que seria certo ou
errado.
não me lembro bem de como nossa semana seguiu
depois desse primeiro encontro, mas seguimos trabalhando normalmente. me lembro
do nosso segundo encontro. nem vou me aprofundar, ambos sabemos que foi um belo
desastre. talvez por isso tenha sido o último. foi quando você terminou o seu
namoro, não?
você se lembra de como, dias depois, fui buscar meu
irmão no colégio e você estava lá, junto com seu melhor amigo. eu estava usando
um óculos de sol, e bem, eu sou míope. juro que vi apenas duas fardas vindo em
minha direção e simplesmente dei a volta e fui falar com meu pai... eu não vi
que eram vocês. mas a circunstância não me ajudou, certo? você ficou bem puto
achando que eu estava te evitando. mas espero que acredite em mim. eu não
enxergo dois palmos sem meus óculos de grau.
o que importa é que ficamos bem próximos. nos
tornamos bons amigos. eu estava em uma fase bem... maluca da minha vida. queria
aproveitar a pouca liberdade que um pai militar outorga a uma filha. e
aproveitei.
existe então um lapso na minha memória e tudo que
eu me lembro é de, nessa época ter desenvolvido síndrome do pânico. e você me
ajudou. você e nosso outro amigo. sabe, eu sempre escondia meus amigos e
relacionamentos dos meus pais. mas sobre você, eles sabiam... talvez seja
porque você se tornou amigo so meu pai sem ao menos saber quem ele era! hahahaha
eu me lembro da sua cara quando você descobriu que
o policial "antigão" com o qual você tinha altos papos sobre motos
era meu pai! bem, acho que nunca te disse, mas você foi bem presente (ainda que
a sua maneira) em minha vida, numa época bem caótica, e me ajudou. então...
obrigada.
eu me lembro quando você me contou que iria chamar
uma colega do trabalho para sair.
foi nesse momento que eu percebi, eu estava
apaixonada.
aquilo me doeu... ainda é estranho admitir esse
sentimento então vamos abafar novamente. deixa pra quando eu estiver mais
preparada.
algum tempo se passou e você se formou...
confesso que eu esperava que você me convidasse
para ir contigo.
enfim, você a levou e eu fui com outra amiga. não
me lembro de ver sua família por lá... talvez um irmão? ou irmã? você falou
deles uma única vez e confesso que não me lembro bem da relação de vocês. eu
sei que você estava só.
não sei se alguém te contou, ou como tudo isso
aconteceu, mas sei que quando os alunos foram entrar para o primeiro baile, ela
não quis entrar contigo. me contaram que ninguém quis. então eu fui.
entramos de braços dados, dançamos, tiramos várias
fotos (as quais eu nunca vi, inclusive!) e eu me diverti. mas bebi muito
whisky, só sei que voltei pra casa de carona com algum outro policial ao fim da
festa.
eu não me lembro de nada que tenha acontecido nos
meses que decorreram, mas meu contrato como estagiaria foi cancelado em
dezembro e creio que por haver trancado a faculdade, não me
recontrataram.
eu realmente não estava em uma boa época da minha
vida. meu avô havia falecido, eu estava extremamente ansiosa e deprimida. foi a
pior época da minha vida.
não sei se você sabe, mas em fevereiro do ano
seguinte eu tentei me matar. esse assunto virou um tabu em casa e nunca tocamos
no assunto. por mais irônico que pareça, eu larguei a terapia, os remédios e
passei a frequentar um centro espírita. pensava unicamente na faculdade e
aceitei, por fim, que meu destino era a medicina. enquanto não era aceita na
faculdade, cursava enfermagem. estudava cerca de 14 horas por dia e isso, foi o
que me salvou. eu não tinha tempo para pensar, para sofrer, só para estudar. creio
que nessa época estivéssemos afastados.
me lembro de no meio do ano ser aprovada em um
concurso público! eu iria trabalhar em uma faculdade no ano seguinte. comecei
outros estágios em hospitais e nós nos reaproximamos. mas foi justo quando você
pediu pra eu lhe apresentar uma amiga, não? nessa época eu já sabia que estava
apaixonada, ainda não aceitava e fingia que estava tudo bem. afinal, éramos
amigos, não?! todo mundo sabia. era quase impossível não perceber que havia
algo entre a gente. sempre foi impossível não perceber. mas como você nunca
mais tentou se aproximar de mim, eu pensei que fosse coisa da minha cabeça e de
gente que não aceitava uma amizade entre homem e mulher. mas a maneira como
dividíamos a cerveja, como o mundo e todas as pessoas ficavam apagados e sem
sentido quando estávamos juntos... eu percebia, as pessoas ao nosso redor
percebiam... só você que não? você me cuidava, estava sempre pronto pra ir ao
meu encontro, independente da hora e do local, sempre me fez companhia. me lembro
de quando foi ao cinema comigo, mesmo chegando atrasado por estar trabalhando e
ficou até tarde esperando meu irmão terminar o filme dele só porque eu não
queria ficar sozinha ali. você sempre estava lá quando eu pedia por sua
presença.
mas você se apaixonou por minha amiga. nunca tive
coragem de perguntar a ela o motivo de vocês realmente não terem dado
certo.
te apresentei então a uma segunda amiga. afinal de
contas, vocês iriam dar certo e ela tinha interesse em ti! mas na noite em que
vocês se conheceram, nós nos comportamos como sempre. você sequer falou com
ela, dividimos uma cerveja. era de boldo, não?
meses depois eu descobri que naquela noite, todas
as minhas amigas se reuniram no banheiro do bar porque queriam saber se eu
realmente gostava de você. elas entenderam que sim. todas elas souberam que
sim. mesmo sem eu nunca ter dito nada.
obviamente as coisas não deram certo com essa
segunda amiga. mas nessa época, eu já não suportava tentar esconder meus
sentimentos por você. por isso, no dia em que me desafiaram a beijar você, eu o
fiz. disseram que eu não teria coragem, então provei que tinha sim. mas lembro
de ter dito alguma desculpa pra você e fui embora. minha amiga meio que te
odeia porque disse que nesse dia viu você e seus amigos rindo de mim quando
virei as costas. ela é um pouco... super protetora.
foi depois disso que tentamos nos reaproximar? eu
me lembro que surgiu a ideia de sairmos como um casal novamente. você ia no meu
novo trabalho me visitar e nossas mensagens eram sempre:
"vamos sair?" e dois minutos depois:
"não, melhor não".
foi assim por um tempo, até que uma terceira amiga
me pediu seu número... vocês faziam direito na mesma sala. ela perguntou se
poderia sair com você. eu lembro bem de dizer sobre como você e ela eram solteiros
e sobre como eu não tinha nenhuma posse sobre você. era verdade.
mas no fundo eu sabia o que ela estava perguntando,
só não tinha coragem de dizer a verdade. eu nunca tive.
então vocês saíram. eu os uni. te instiguei pra
convidar ela para um encontro. eu achei que era forte o suficiente para
permanecer neutra, mas não fui. a cada vez que vocês diziam o quanto ela era
legal e como você estava apaixonado... meu peito doía.
eu me lembro da última vez em que te vi.
por algum motivo fui falar com ela na faculdade e
encontrei vocês juntos no intervalo. estava chovendo e por eu estar de moto,
estava molhada. você comentou que estava frio e minha blusa branca estava
transparente. eu disse que não havia levado nenhuma blusa, e ela pediu pra você
buscar a dela, que estava no seu carro pra me emprestar.
quando você saiu, eu perguntei a ela se vocês
estavam saindo e por que havia uma blusa dela no seu carro.
acho que nessa época vocês já estavam namorando.
era uma quarta feira, quando ela foi no meu
trabalho, durante o horário de almoço conversar. me disse que tinha algo
importante para me dizer.
com muita dificuldade ela me confessou que vocês
estavam juntos havia uma semana, que ela iria pra capital logo conhecer sua família,
sua filha... eu sorri e disse que estava feliz por vocês, que isso não era um
problema pra mim, afinal, eu não gostava de você.
eu me lembro de como o tempo passou lentamente
nesse dia. de como pedi a deus pra que ela fosse embora porque eu não queria
chorar diante dela. e foi nesse dia, que eu confessei pra mim mesma que estava
apaixonada por você. foi quando contei ao mundo todo! porque todos quando me
viam chorando, perguntavam o que foi e eu não conseguia inventar uma desculpa.
eu só aceitei.
as coisas pioraram quando no mesmo dia a noite você
me ligou porque queria sair comigo. você, ela, eu e outros amigos. eu não pude.
eu não tinha forças pra isso.
eu confesso que nunca fiquei tão mal por um homem
como fiquei por você.
me lembro de estar tão bêbada alguns dias depois,
que até o garçom mandou áudios pra você. foi nesse dia em que eu confessei para
você sobre os meus sentimentos. foi quase como a Rachel e o Ross em friends.
completamente bêbada. só que você não veio falar comigo no dia seguinte
perguntando sobre meus sentimentos. na verdade, creio que no dia seguinte eu só
pedi desculpas e desapareci por alguns meses. ela também ouviu esses áudios e
te digo que as mensagens que me enviou logo depois não foram das mais
amigáveis...
mais alguns meses se passaram e minha vida mudou um
pouquinho. ano passado me mudei para outro país. te enviei mensagens algumas
outras vezes. você não faz ideia de todo o trabalho que eu sempre tinha para
pedir seu número pra alguém. foi bom falar contigo, pelo visto você está bem!
queria ter ido na sua outra formatura, obrigada por me convidar, mas eu estava
um pouquinho distante. e logo perdemos contato novamente.
fiquei sabendo que vocês
terminaram logo depois e por fim descobri que ela não era tão boa amiga quanto
imaginei.
confesso que tive grandes expectativas de te ver
quando fui ao brasil. principalmente quando você me perguntou quanto tempo eu
iria ficar.
vi algumas fotos que você postou. pelo conteúdo
delas, imagino que você vá se casar.
ainda não tive coragem de contar essa parte pra
minha mãe. inclusive, ela fala de você sempre. fica meio difícil superar alguém
quando sua mãe insiste em perguntar sobre a pessoa.
creio que quase 5 anos já se passaram desde que nos
conhecemos. eu aceitei que na verdade sempre amei você. é mais fácil, mais
leve. tudo que eu espero hoje é ser leve.
e quero isso pra você também, sabe? quero que você
seja cada dia mais próximo de deus, que sua vida seja feliz e que você encontre
um amor de verdade. e se você for se casar com essa moça das fotos, espero que
ela te ame infinitamente e que seja a força que você precisa para seguir em
frente.
Adeus, m.